Trecho do livro Origem das Enfermidades, de Norberto Keppe.
– Não prestei concurso em minha firma para um cargo melhor, com medo de falhar.
– Sua ideia é que vendo seus defeitos se prejudicará na vida; porém, o fundamental é ter consciência deles para saber como lidar consigo próprio.
O que a ciência denominou de sintomas significa um tipo de «percepção» que aparece, seja no campo psicológico ou no orgânico, clamando pela atenção do indivíduo sobre o que está acontecendo em sua vida. Porém, por mais incrível que pareça, foi criado um verdadeiro arsenal, seja no setor psíquico ou no físico (medicamentos, internações) com a finalidade de esconder o que a sintomatologia está mostrando – e com essa atitude a consciência que é o fator básico da existência é eliminado.
Se o ser humano considera a consciência como sendo o elemento mais perigoso de sua vida, como levá-lo a aceitá-la? Daí a necessidade não só da análise, mas também da difusão de livros e informações que favoreçam a percepção desse engano.
– Sonhei que fui viajar e no aeroporto o guarda vigiava todos os aspectos de meu passaporte; havia um gato comigo que, por não lhe prestar atenção, perdeu uma pata.
– A que associa a atitude do guarda e do gato?
– Falta de atenção com o que acontece.
– E o guarda? Insisti.
– Censura muito grande.
– Ou melhor, corrigi eu, o impedimento que coloca em sua mente, para não ver os prejuízos que acontecem na vida, justamente por não querer ver suas falhas – como a falta de uma pata no gato mostrou!
Quanto menos problemas vê, mais neurótico o indivíduo é, enquanto na sanidade a percepção das dificuldades é bastante aguda, por haver menor resistência à consciência.
– Parece que depois de seis meses de análise, estou bem pior!
– Por que pensa assim? Perguntei.
– Porque quando iniciei o tratamento não notava nem 10% dos problemas que vejo agora.
– À medida que vai diminuindo sua cegueira (que é a censura à consciência) a sra. enxerga melhor seus defeitos.
Para que o ser humano viva na realidade necessita ter uma boa dose de humildade, que o tirará dos delírios megalômanos, enquanto na arrogância existe um tal nível de fantasias fora da existência, que as outras pessoas não conseguem estabelecer relação com ele – mas sentem receio porque não há garantia alguma que o arrogante não vá de repente atacar, sem motivo plausível.
– Sonhei que as ondas do oceano subiam até o apartamento em que estava no vigésimo andar, mas pensava que só meu carro que estava lá embaixo sendo prejudicado, falou G.A.
– A que associa as ondas e o carro?
– As ondas à consciência, e o carro ao desenvolvimento e segurança, respondeu.
– Neste caso, o sr. tem a ideia de que a consciência destrói o seu desenvolvimento e segurança, expliquei.
– No sonho eu via também minha mãe ao meu lado, tranquila sobre os acontecimentos.
– E na atitude dela o que vê? Perguntei novamente.
– Pessoa alheia ao que acontece; e eu admirava sua atitude.
– O sr. admira a alienação, desejando permanecer alheio ao que acontece, expliquei novamente.
Como o leitor poderá notar, ao mesmo tempo em que o cliente via perigo na consciência (ondas do mar) para o seu desenvolvimento e segurança, não tinha receio que elas subissem até o vigésimo andar. De qualquer modo, G.A. estava invertido ao colocar seu sucesso no carro, e não no apartamento que residia e aguentava a subida das águas!
A psicanálise tradicional sempre deu a ideia de que o ser humano seria doente, por causa desse universo interior denominado por Freud de inconsciente – e que enquanto não se tornasse consciente, não haveria cura ou desenvolvimento. Eu (Keppe) afirmo que o ser humano se tornou doente justamente pelo contrário, em não aceitar a consciência – que inclusive lhe traria o conhecimento de toda a corrupção e problemas. Assim sendo foi criada enorme oposição à sabedoria e ao entendimento, com o adoecimento do indivíduo e da sociedade que elaborou, eivada de erros por causa de suas falhas. Posso dizer sem medo de cometer gafe que patologia é a conduta de oposição à consciência.
A rejeição em conscientizar os próprios problemas significa uma atitude de causar danos a si mesmo e à sociedade, porque o indivíduo e a vida social se tornam vulneráveis a todos eles; aliás, este fato explica a resistência em praticar a «psicoterapia », desde que ela mexe com tudo aquilo que o ser humano e a civilização vêm escondendo ciosamente.